Um Pedreiro, um Camponês e um Lagareiro também eram Carvoeiros!
Artigo de: Guilherme Gonçalves - Fevereiro de 2011
Era
ainda muito pequeno mas já andava agarrado ao rabo das vacas. Quando começava a
trepar as encostas da serra, olhava lá para longe e via muitas fumarolas. Tudo
aquilo, fazia-me impressão!
Um dia, peguei na mão da minha mãe, e perguntei-lhe, apontando, porque haviam aqueles fumos na coutada das costas carriças da tia Aunélia. A minha mãe respondeu-me sinteticamente, que eram os carvoeiros. Mas não fiquei satisfeito com a resposta! Queria saber mais! A minha mãe, à sua maneira, tentou explicar-me quem eram e o que faziam. Continuei a não ficar satisfeito com a resposta.
Um dia, corri até ao local onde estavam a fazer o carvão e vi três homens e a minha tia, junto de três fumarolas, na sua azáfama. Usavam velhos albions, chamavam-lhe uns, e picaretas, chamavam-lhe outros. Os homens (o meu tio Domingos do Cantelães, o Sr. Manuel do Costa e o Sr. Manuel Lagareiro) levantavam cheios de força aqueles grandes utensílios até trás das costas e espetavam-nos no chão, com toda a força que tinham. Eu olhava aquelas figuras que me metiam medo! A cara escura, quase negra, as roupas esfarrapadas, o olhar esbugalhado pelo cansaço, a fome, a sede… as agruras da vida!
Um dia, peguei na mão da minha mãe, e perguntei-lhe, apontando, porque haviam aqueles fumos na coutada das costas carriças da tia Aunélia. A minha mãe respondeu-me sinteticamente, que eram os carvoeiros. Mas não fiquei satisfeito com a resposta! Queria saber mais! A minha mãe, à sua maneira, tentou explicar-me quem eram e o que faziam. Continuei a não ficar satisfeito com a resposta.
Um dia, corri até ao local onde estavam a fazer o carvão e vi três homens e a minha tia, junto de três fumarolas, na sua azáfama. Usavam velhos albions, chamavam-lhe uns, e picaretas, chamavam-lhe outros. Os homens (o meu tio Domingos do Cantelães, o Sr. Manuel do Costa e o Sr. Manuel Lagareiro) levantavam cheios de força aqueles grandes utensílios até trás das costas e espetavam-nos no chão, com toda a força que tinham. Eu olhava aquelas figuras que me metiam medo! A cara escura, quase negra, as roupas esfarrapadas, o olhar esbugalhado pelo cansaço, a fome, a sede… as agruras da vida!
À
minha chegada, um dos homens pegou num cantil com vinho e esguichou para a boca
aquela bebida que eu desconfiava ser a preferida de Baco. A minha tia apareceu
toda despachada com uma posta de bacalhau salgado numa mão e pão milho na
outra. Os homens pousaram as ferramentas e sentaram-se no chão, ao lado de umas
moitas de urze e giesta enquanto a minha familiar repartia o manjar!
Um dos homens (o Sr. Manuel do Costa), perguntou-me quem era e o que fazia ali. Expliquei tudo e o homem ofereceu-me um bocado de bacalhau e pão, que não aceitei!
- Conheci o teu falecido pai. Grande homem. Connosco estás entre amigos! Queres aprender a fazer carvão? É um trabalho que não interessa a ninguém, mas é a forma que nós temos de levar a vida. O teu tio precisa de afiar os picos na forja e o carvão é necessário. Esta coutada é do teu tio, mas as outras coutadas, - apontando para os lados do meroucal e moinhos, são os nossos campos de milho, as nossas vacas, as nossas cabras, as nossas ovelhas, onde também fazemos carvão para vender às mulheres da aldeia e mesmo da freguesia, pois elas, precisam dele para utilizarem nos ferros de ferro fundido para passar a roupa domingueira!
Desculpei-me (digo agora), que ia virar as vacas e não aceitei o pão e o bacalhau. Estava um pouco atemorizado com a figura daqueles homens e mais ainda com os bois que estavam ali para carregar o carvão que ia sair das fumarolas e ensacado em velhos sacos já negros do uso.
Um dos homens (o Sr. Manuel do Costa), perguntou-me quem era e o que fazia ali. Expliquei tudo e o homem ofereceu-me um bocado de bacalhau e pão, que não aceitei!
- Conheci o teu falecido pai. Grande homem. Connosco estás entre amigos! Queres aprender a fazer carvão? É um trabalho que não interessa a ninguém, mas é a forma que nós temos de levar a vida. O teu tio precisa de afiar os picos na forja e o carvão é necessário. Esta coutada é do teu tio, mas as outras coutadas, - apontando para os lados do meroucal e moinhos, são os nossos campos de milho, as nossas vacas, as nossas cabras, as nossas ovelhas, onde também fazemos carvão para vender às mulheres da aldeia e mesmo da freguesia, pois elas, precisam dele para utilizarem nos ferros de ferro fundido para passar a roupa domingueira!
Desculpei-me (digo agora), que ia virar as vacas e não aceitei o pão e o bacalhau. Estava um pouco atemorizado com a figura daqueles homens e mais ainda com os bois que estavam ali para carregar o carvão que ia sair das fumarolas e ensacado em velhos sacos já negros do uso.
Dias
mais tarde, entre-caminhos, cruzamos com os Srs Manuel do Costa e Manuel do
Costa (Lagareiro), o primeiro dirigiu-nos a palavra, cumprimentando-nos.
- Então Sr. Manuel, as urzes dão, ou não dão, perguntou a minha mãe?
- Está difícil, Marcelina. Muito difícil! Mais meia dúzia de anos e ficamos sem torgos. Tudo acaba!...
Fiquei a pensar no carvão, “acaba” – perguntei a mim, pensando?! De facto, pelo que vi, o carvão era feito com torgos de urze. Os torgos eram as raízes velhas das urzes enterradas entre as rochas da montanha sabe-se lá desde quando – dezenas, centenas? Tudo acaba e não haveria razão para que os torgos não acabassem e portanto o mundo ia ficar sem carvão! Mas o problema não estava apenas nos torgos, nem na eventualidade da falta de carvão para aquecer o Mundo. Estava em tudo que os rodeava, e muito para além da minha compreensão. Tudo em volta fervilhava! Já ouvia falar em locais estranhos, em terras estranhas. Se Lisboa e Porto ficavam longe, essas terras só meia dúzia as conheciam. A Espanha estava do outro lado da serra do Gerês, ali perto, mas palavras como Paris, Frankfurt e Zurique?… essas vieram, pouco tempo depois, perturbar as minhas memórias!
A partir do final da década de 60, as vidas na aldeia começaram a mudar radicalmente. Os pais e os irmãos mais velhos avançavam para o Litoral e para França, Alemanha, Suiça... Estas imigrações e emigrações determinaram o fim das fumarolas e os bois não carregaram mais carvão. Num ápice, tudo se transformou. Os homens e mulheres de Espindo abraçaram novos mundos e até passaram a falar francês!...
Hoje, ainda conseguimos encontrar carvão produzido de forma industrial, apenas em alguns super mercados de alguma dimensão e que se destina fundamentalmente para grelhar peixe ou carne, por um diminuto grupo de pessoas. Qualquer dia, nem isso! Como as coisas vão mudando!
Às personalidades que aqui evoco, presto a minha sentida homenagem. Fi-lo,porque pretendo que esta passagem da minha memória esteja o mais próximo da realidade!
- Então Sr. Manuel, as urzes dão, ou não dão, perguntou a minha mãe?
- Está difícil, Marcelina. Muito difícil! Mais meia dúzia de anos e ficamos sem torgos. Tudo acaba!...
Fiquei a pensar no carvão, “acaba” – perguntei a mim, pensando?! De facto, pelo que vi, o carvão era feito com torgos de urze. Os torgos eram as raízes velhas das urzes enterradas entre as rochas da montanha sabe-se lá desde quando – dezenas, centenas? Tudo acaba e não haveria razão para que os torgos não acabassem e portanto o mundo ia ficar sem carvão! Mas o problema não estava apenas nos torgos, nem na eventualidade da falta de carvão para aquecer o Mundo. Estava em tudo que os rodeava, e muito para além da minha compreensão. Tudo em volta fervilhava! Já ouvia falar em locais estranhos, em terras estranhas. Se Lisboa e Porto ficavam longe, essas terras só meia dúzia as conheciam. A Espanha estava do outro lado da serra do Gerês, ali perto, mas palavras como Paris, Frankfurt e Zurique?… essas vieram, pouco tempo depois, perturbar as minhas memórias!
A partir do final da década de 60, as vidas na aldeia começaram a mudar radicalmente. Os pais e os irmãos mais velhos avançavam para o Litoral e para França, Alemanha, Suiça... Estas imigrações e emigrações determinaram o fim das fumarolas e os bois não carregaram mais carvão. Num ápice, tudo se transformou. Os homens e mulheres de Espindo abraçaram novos mundos e até passaram a falar francês!...
Hoje, ainda conseguimos encontrar carvão produzido de forma industrial, apenas em alguns super mercados de alguma dimensão e que se destina fundamentalmente para grelhar peixe ou carne, por um diminuto grupo de pessoas. Qualquer dia, nem isso! Como as coisas vão mudando!
Às personalidades que aqui evoco, presto a minha sentida homenagem. Fi-lo,porque pretendo que esta passagem da minha memória esteja o mais próximo da realidade!
Texto: Guilherme Gonçalves, 2011