Espindo, a minha aldeia
Terá cerca 450 a 500 anos! Perdida na noite dos tempos, não se sabe ao certo
quando nasceu! Terá sido jovem, foi velha e agora como que renascida das cinzas
está um encanto! Aqui, erguida no sopé da Serra da Cabreira a desafiar a
diversidade do clima. Arquitecturalmente dividida em cancelo, costa, aldeia de
cima, centro, portela da avelã e fundo de vila e agora já se estendendo pela
poça do palheiro e até para lá da capela (vessada), na qual domina aquele
agrupamento de habitações separadas por uma rua principal calcetada de pedras
graníticas desconjuntadas mas bem características da zona, numa esquadria quase
inexistente.
Espindo, visto à distância desde os campos do sapateiro, alto do barbeito de Santo António, couvinhas, chã de lousas ou cabeça da vaca, assemelha-se a uma aldeiazinha que vemos no fundo de um vale em imensas pinturas de conceituados artistas!
Adormecida que esteve e agora renascida, entre eiras e canastros, olhando o vale pelo qual serpenteiam dois riachos afluentes do cavado. No que nasce nos azevinheiros, podemos encontrar os pequenos poços da curva do curral do toco, da ponte do meio e ainda do buraco da gola e no outro que nasce entre os montes de Salto e da Lameira, podemos encontrar os moinhos do poldro e poços adjacentes bem como os poços do traves e maria pereira. Estes riachos, com pontes de talha romana sobre as quais se cruza a estrada Braga – Ruivães – Chaves. A paisagem meditativa está coberta por seculares montados e de vinhas em arames e árvores alinhados (já poucos), que de um perene verde-alaranjado, em Setembro, lhe emprestam aquele característico perfume.
Nos montes do sapateiro, grande parte propriedade das gentes desta aldeia, ainda é possível ver vestígios da velha estrada romana de pedras e terra batida que o serpenteiam. Mais no alto, junto à Serradela encontramos o curral dos garranos, as casas do mestre, do guarda e do boieiro requalificadas (que bom), mas, a caminho da pedra escrita encontramos uma das casas do pastor, deixada ao abandono! Passamos a turio, arandosa e chegamos a chã de prado, onde permanecem adormecidos nas brumas do tempo, em ruínas, os currais das vacas, mais parecendo reminiscências amargas de antigos camponeses que se extinguiram exaustos pelo árduo trabalho do campo.
Por vezes visito esses lugares, passo por aí, propositadamente, quando me é possível, para reviver recordações! Trata-se de um dos segredos míticos da minha adolescência. Ir a esses lugares faz-me sentir simultaneamente misterioso e fraternal. Ali toda a vida se renova e volto a ser criança naqueles breves instantes de contemplação e saudade. Tão maravilhoso seria que os novos lavradores, adaptando-se às novas tecnologias da agricultura, pudessem fertilizar aqueles campos e reconstruir esses montes dispersos que outrora deram alma e vida à aldeia. Que não deixassem esse passado histórico afundar-se nas ruínas, e esfumar-se na memória do tempo. Só assim, Espindo tão lindo e rejuvenescido que está, faria o pleno! Seria um jardim florido, como o de outrora que retenho, agora, utopicamente colorido, dentro do meu pensamento.
Não sei a razão, mas possivelmente por laços de hereditariedade ou por apego àquele meio agreste, ante a lavoura, os homens e mulheres mais idosos deixam, ainda, transparecer na sua fisionomia, testemunhos comprováveis desses tempos idos, principalmente nos seus rostos cruzados por infinitas rugas, e de tal modo acidentadas, que lhes rasgam na aparência a impressão de aos quarenta/cinquenta anos já parecerem velhos e eternos, como que petrificados pela dureza e rigor do tempo.
Há cinquenta anos, neste culto, deixavam vir à luz muitos filhos, que agasalhados pela execrável pobreza, cresciam, esfarrapados, mal alimentados, doentes..., sendo quase sempre as mães que faziam de médicas e enfermeiras, cujos medicamentos eram as mezinhas caseiras, com as quais lhes tentavam atenuar as dores, e rezando, esperavam um milagre para a sua reabilitação... Não, nunca iria seguir o meu avô (o meu pai já falecido) e a minha mãe pelo campo recém-arado atrás de uma canga de vacas, puxando o arado que sulcava as sementes que eles lançavam, sobre a terra ávida e atentos como se escutassem alguém a sair das entranhas rasgadas da terra. Não..., não iria seguir a cruz do meu pai, do meu avô e da minha mãe! O meu pai antes de falecer pediu à minha mãe –, mesmo que tenhas de vender tudo o que temos, por favor, dá instrução aos nossos filhos, não queiras que eles sejam escravos como nós!
Eu e os meus irmãos da casa do Brás, não diferentemente de uma grande parte dos filhos da casa da Berta, do Carona, do Cêra, da Aunélia, do Lagareiro/Carmelinda, da Braga, do Manuel do Simões, do Manuel do Brás, do Domingos do Zé, do António do Quintas, do Adelino do Soares, do Manuel do Quintas, do Manuel do Zé Maria, do Manuel do Costa, do João do Costa, do Albino do Mateus, do Manuel do Couto da Balbina do Mateus, da Amélia dos Figos, do João do Barbado, da Alzira, do José da Bolata, do Geiras, do António do Barbado, do Manuel do Loureiro, do João do Escorrega, do Custódio d’Angela, do Joaquim do Quintas do Júlio da Bolata do Amadeu do Soares, do João do Soares, do Joaquim David, do José do Palavra, da Etelvina, da Costureira, do Manuel do Romano, do João do Barroca, do Manuel do Russo, do Aníbal do Rêgo, do Amadeu do Gaiteira, do Manuel do Machado, da Maria Júlia (professora), ...), uns emigraram e outros imigramos em busca de melhores condições de vida, sem que com isso tivéssemos e sei que somos muitos, esquecido o “cantinho” que nos viu nascer!
Hoje, a 4 horas de distância, recordo com saudade essas paisagens solitárias e misteriosas. Sinto os aromas dos campos lançando sobre mim essa claridade radiosa, impregnando-me na lembrança agitações dos meus sonhos de criança. Espindo, eis-me aqui nestes caminhos calcetados, onde passei tantas vezes, que não me lembra quantas, calçado com chancas ou galochas, traquina e pequeno, de calças remendadas!..
Aqui neste “sítio”, deixo o retrato da NOSSA aldeia, tirado com o meu sentimento e olhar...
A todos os visitantes deste site, especialmente aos meus conterrâneos, um cordial abraço do Guilherme do Brás.
- Julho de 2010 -
Espindo, visto à distância desde os campos do sapateiro, alto do barbeito de Santo António, couvinhas, chã de lousas ou cabeça da vaca, assemelha-se a uma aldeiazinha que vemos no fundo de um vale em imensas pinturas de conceituados artistas!
Adormecida que esteve e agora renascida, entre eiras e canastros, olhando o vale pelo qual serpenteiam dois riachos afluentes do cavado. No que nasce nos azevinheiros, podemos encontrar os pequenos poços da curva do curral do toco, da ponte do meio e ainda do buraco da gola e no outro que nasce entre os montes de Salto e da Lameira, podemos encontrar os moinhos do poldro e poços adjacentes bem como os poços do traves e maria pereira. Estes riachos, com pontes de talha romana sobre as quais se cruza a estrada Braga – Ruivães – Chaves. A paisagem meditativa está coberta por seculares montados e de vinhas em arames e árvores alinhados (já poucos), que de um perene verde-alaranjado, em Setembro, lhe emprestam aquele característico perfume.
Nos montes do sapateiro, grande parte propriedade das gentes desta aldeia, ainda é possível ver vestígios da velha estrada romana de pedras e terra batida que o serpenteiam. Mais no alto, junto à Serradela encontramos o curral dos garranos, as casas do mestre, do guarda e do boieiro requalificadas (que bom), mas, a caminho da pedra escrita encontramos uma das casas do pastor, deixada ao abandono! Passamos a turio, arandosa e chegamos a chã de prado, onde permanecem adormecidos nas brumas do tempo, em ruínas, os currais das vacas, mais parecendo reminiscências amargas de antigos camponeses que se extinguiram exaustos pelo árduo trabalho do campo.
Por vezes visito esses lugares, passo por aí, propositadamente, quando me é possível, para reviver recordações! Trata-se de um dos segredos míticos da minha adolescência. Ir a esses lugares faz-me sentir simultaneamente misterioso e fraternal. Ali toda a vida se renova e volto a ser criança naqueles breves instantes de contemplação e saudade. Tão maravilhoso seria que os novos lavradores, adaptando-se às novas tecnologias da agricultura, pudessem fertilizar aqueles campos e reconstruir esses montes dispersos que outrora deram alma e vida à aldeia. Que não deixassem esse passado histórico afundar-se nas ruínas, e esfumar-se na memória do tempo. Só assim, Espindo tão lindo e rejuvenescido que está, faria o pleno! Seria um jardim florido, como o de outrora que retenho, agora, utopicamente colorido, dentro do meu pensamento.
Não sei a razão, mas possivelmente por laços de hereditariedade ou por apego àquele meio agreste, ante a lavoura, os homens e mulheres mais idosos deixam, ainda, transparecer na sua fisionomia, testemunhos comprováveis desses tempos idos, principalmente nos seus rostos cruzados por infinitas rugas, e de tal modo acidentadas, que lhes rasgam na aparência a impressão de aos quarenta/cinquenta anos já parecerem velhos e eternos, como que petrificados pela dureza e rigor do tempo.
Há cinquenta anos, neste culto, deixavam vir à luz muitos filhos, que agasalhados pela execrável pobreza, cresciam, esfarrapados, mal alimentados, doentes..., sendo quase sempre as mães que faziam de médicas e enfermeiras, cujos medicamentos eram as mezinhas caseiras, com as quais lhes tentavam atenuar as dores, e rezando, esperavam um milagre para a sua reabilitação... Não, nunca iria seguir o meu avô (o meu pai já falecido) e a minha mãe pelo campo recém-arado atrás de uma canga de vacas, puxando o arado que sulcava as sementes que eles lançavam, sobre a terra ávida e atentos como se escutassem alguém a sair das entranhas rasgadas da terra. Não..., não iria seguir a cruz do meu pai, do meu avô e da minha mãe! O meu pai antes de falecer pediu à minha mãe –, mesmo que tenhas de vender tudo o que temos, por favor, dá instrução aos nossos filhos, não queiras que eles sejam escravos como nós!
Eu e os meus irmãos da casa do Brás, não diferentemente de uma grande parte dos filhos da casa da Berta, do Carona, do Cêra, da Aunélia, do Lagareiro/Carmelinda, da Braga, do Manuel do Simões, do Manuel do Brás, do Domingos do Zé, do António do Quintas, do Adelino do Soares, do Manuel do Quintas, do Manuel do Zé Maria, do Manuel do Costa, do João do Costa, do Albino do Mateus, do Manuel do Couto da Balbina do Mateus, da Amélia dos Figos, do João do Barbado, da Alzira, do José da Bolata, do Geiras, do António do Barbado, do Manuel do Loureiro, do João do Escorrega, do Custódio d’Angela, do Joaquim do Quintas do Júlio da Bolata do Amadeu do Soares, do João do Soares, do Joaquim David, do José do Palavra, da Etelvina, da Costureira, do Manuel do Romano, do João do Barroca, do Manuel do Russo, do Aníbal do Rêgo, do Amadeu do Gaiteira, do Manuel do Machado, da Maria Júlia (professora), ...), uns emigraram e outros imigramos em busca de melhores condições de vida, sem que com isso tivéssemos e sei que somos muitos, esquecido o “cantinho” que nos viu nascer!
Hoje, a 4 horas de distância, recordo com saudade essas paisagens solitárias e misteriosas. Sinto os aromas dos campos lançando sobre mim essa claridade radiosa, impregnando-me na lembrança agitações dos meus sonhos de criança. Espindo, eis-me aqui nestes caminhos calcetados, onde passei tantas vezes, que não me lembra quantas, calçado com chancas ou galochas, traquina e pequeno, de calças remendadas!..
Aqui neste “sítio”, deixo o retrato da NOSSA aldeia, tirado com o meu sentimento e olhar...
A todos os visitantes deste site, especialmente aos meus conterrâneos, um cordial abraço do Guilherme do Brás.
- Julho de 2010 -
Direitos de autor reservados © João Oliveira - Espindo 2006-2011
Aviso Legal
Aviso Legal